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Arte musiva brasileira: o descuido

 com nosso patrimônio

I) A chegada

Quando chegou ao Brasil, provocou uma reação de espanto. Era desprovida de belezas naturais, tinha mais idade do que se imaginava e nascera com um problema congênito que a fizera manca. A tudo ela superaria ao longo dos anos e faria projetar outros dotes que trazia em sua formação cultural, religiosa e moral. Dona Teresa Cristina era uma princesa Napolitana, filha do Rei das Duas Sicílias, Dom Francisco I. Era o ano de 1843 e ela acabara de se casar com Dom Pedro II através de procuração. O protocolo de bodas ocorrera meses antes em Nápoles e ela acabava de chegar para consumar o casamento. Ainda no desembarque, percebeu de pronto a reação nervosa do noivo. O Imperador hesitou num primeiro momento, depois avançou, cumprimentou a noiva e retirou-se para chorar.

A vida conjugal só iria começar alguns dias depois, mas dali para frente desenhou-se um grande aprendizado mútuo, que iria projetar um casamento de longa duração. Dona Teresa Cristina viveu ao lado do marido por 46 anos, vindo a falecer no Porto, em Portugal, seis meses depois da partida da família Imperial para o exílio.

Na frota que a trouxe ao Brasil fez embarcar artistas, músicos, professores, botânicos e outros estudiosos. Aos poucos, enriqueceria a vida cultural e científica brasileira, mandando vir de sua terra as primeiras preciosidades artísticas recuperadas de Herculano e Pompéia, enviadas por seu irmão, Fernando II, que sucedera ao pai no trono das Duas Sicílias, um dos reinos que iriam alinhar-se mais tarde na unificação da Itália.

Do consórcio com o Imperador, nasceram quatro filhos: dois varões, inclusive o primogênito, que morreram pouco depois do parto, e duas meninas, a princesa Isabel (que ocuparia o trono algumas vezes, na ausência de Dom Pedro II, inclusive em 1888, na assinatura da Lei Áurea) e a princesa Leopoldina (não confundí-la com a avó paterna, a Imperatriz Leopoldina de Habsburgo, mulher de D. Pedro I).

Enquanto cuidava de suas filhas no jardim anexo ao Palácio de S. Cristóvão, no Rio de Janeiro, denominado então Jardim das Princesas, Dona Teresa Cristina fez revelar um de seus dotes artísticos pessoais, o mosaico. Como boa italiana, carregava na alma o gosto pela harmonia das tesselas e foi com conchas, recolhidas nas praias do Rio, e com cacos das peças de serviço de chá da Casa Imperial que recobriu os bancos, tronos, fontes e paredes do Jardim das Princesas, enquanto cuidava das filhas.

II) O estado das obras

São obras delicadas, algumas delas intactas, outras muito mutiladas, que ainda se encontram no local. O Palácio de S. Cristóvão foi sucessivamente habitado por D. João VI, logo após sua chegada ao Rio de Janeiro, em 1808; depois por D. Pedro I e em seguida por D. Pedro II, até o banimento da família Imperial, imposto pelos militares em 1889. Dois anos depois, o Palácio foi transformado em Museu Nacional de Ciências Naturais, e desde 1891 não sofre alterações. É administrado hoje pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que mantém ali um corpo de pesquisadores. As peças de Ciências Naturais algumas delas reunidas ao tempo do Império são abertas à visitação, mas os mosaicos da Imperatriz são inacessíveis ao público. A área do Jardim das Princesas está fechada desde que, tempos atrás, a abertura do espaço ao turismo descontrolado resultou em retiradas de tesselas e outros objetos de decoração levados como souvenir.

Infelizmente, alguns dos trabalhos musivos de Dona Teresa Cristina estão muito danificados, antes pela predação de pessoas inescrupulosas, hoje pela ação do tempo e pela exposição às intempéries . Atualmente, o local é totalmente vedado aos visitantes. Não faz parte do cotidiano de visita permitido pela direção do Museu. Para conhecer o trabalho da nossa Imperatriz, mulher de Dom Pedro II, que reinou por quase meio século, é preciso pedir autorização especial à administração do Museu.

A meu ver, parece que uma faceta importante da Imperatriz - a arte musiva - é praticamente ignorada pelos historiadores ou por quem tem responsabilidade neste país pela preservação da memória nacional. As obras de arte da Imperatriz estão se esvaindo no descuido, do lado de fora do Museu. Trata-se de espaço impenetrável . Nada se fala a respeito. Uma lástima. Poderia ser uma fonte importante de inspiração turística, poderia contribuir para que os brasileiros ou mesmo os visitantes estrangeiros tivessem contato com um aspecto muito simpático da mulher de Dom Pedro II.

 

III) A primazia

A meu ver, poder-se-ia datar melhor essas obras pois com certeza são algumas dezenas de anos anteriores ao trabalho semelhante que Antoni Gaudi e Josep Maria Jujol realizaram no Parque Guell em Barcelona, provocando uma verdadeira revolução na história da arte musiva. Claro que a iniciativa individual da nossa Imperatriz não tem a mesma grandiosidade que foi possível a Gaudi e Jujol, através de uma equipe de operários e artesãos. Mas trata-se inequivocamente de uma atitude de grande importância histórica, pela primazia de tê-la concebida em terras brasileiras, com os recursos possíveis para a época e de acordo com as circunstâncias do país. É obra para ser reverenciada por todos os artistas brasileiros e estrangeiros. Mais ainda: é para ser restaurada e exibida com orgulho pelos mosaicistas, especialmente os daqui e pelos italianos, compatriotas da Imperatriz, que se tornou mulher do nosso Imperador e mãe exemplar. Viria a falecer no Porto, em Portugal, pouco depois da partida inglória para o exílio, determinada pelos republicanos. Seus restos mortais, assim como os do Imperador, descansam hoje na Catedral de Petrópolis, desde o translado, ocorrido em 1922, por ocasião da revogação do banimento pelo presidente Epitácio Pessoa, ao se dar conta de que era impraticável comemorar o centenário da independência brasileira sem a presença dos descendentes do nosso primeiro Imperador.

 

IV) Um primeiro estudo

Ainda sobre o Jardim das Princesas, o único estudo conhecido sobre a área foi realizado pela arqueóloga Maria Beltrão, do Museu Nacional, em meados dos anos 90 e transformado em publicação avulsa do Museu nacional em 1997. A arqueóloga realizou algumas escavações na área, dentro de um projeto histórico que visava conhecer o passado dos que habitaram a área circundante ao Palácio, antes de se tornar residências da s famílias Real e Imperial. Na descrição que a professora faz do Jardim das Princesas, chega a classificar, uma a uma, as diversas conchas recolhidas pela Imperatriz (Patellidae, Trochidae, Arcidae, etc. etc. etc.), mas passa rápido pelos fragmentos de louça, assinalando apenas serem "em sua maioria inglesas". Como arqueóloga, o trabalho tem lá sua importância. Mas falta o olho artístico para perceber o alcance da obra musiva da Imperatriz. Ao menos recolhe, no recosto de um banco, o detalhe que me faltou quando visitei o espaço: a data de aniversário de seis anos da princesa Isabel, feito em risco sobre a argamassa: 29 de julho de 1852. Distanciada da questão posta pela autoria artística, a arqueóloga chega a imaginar que as obras musivas sejam de autoria da princesa Isabel, com ajuda das aias, o que é absolutamente improvável. A qualidade do trabalho, a harmonia, a criatividade, a escolha das peças, dos fragmentos das louças, e outros elementos mais não deixam a menor sombra de dúvida sobre a autoria de alguém mais amadurecida e de espírito mais refinado, seguramente a Imperatriz Teresa Cristina.

guirlanda com quebras de porcelana e conchas
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