Foi num sebo perto da minha casa que a vi pela primeira vez. Na estante de livros de arte apanhei ao acaso um catálogo
do "Nahum Goldmann Museum of the Jewish
Diaspora" e comecei a folheá-lo, quando deparei com aquele rosto enigmático, maduro, reflexivo, estonteante. Foi amor
à primeira vista. Dela nada sabia, a não ser que vinha do século IV e era descrita como retrato em mosaico de "mulher
judaica". Preenchia uma página inteira do catálogo em preto e branco, mas minha recordação dela permaneceu para sempre multicolorida.
Adquiri a publicação rapidamente e a levei para casa, um pouco desinteressado da rica coleção do Museu da diáspora judaica.
Concentrei-me naquela que seria minha musa na arte musiva dali em diante. Era uma época em que ainda engatinhava na produção
de mosaicos com mármores e granitos. Cortava mal as tesselas, só encontrava cacos de 2 cm de espessura, o que dificultava
muito minha atividade. Com todos os percalços e tropeços, tratei de fazer um primeiro trabalho, inspirado no rosto que tanto
me marcou. E produzi uma peça que acabei adaptando a uma armação de ferro na forma de uma mesinha de centro, ou de cabeceira.
A obra ficou interessante, mas nem de longe reproduzia a beleza do mosaico original. Apesar de tudo, foi com ela
que me apresentei pouco depois, quando a revista Caras, por iniciativa de um grande amigo jornalista, me convidou para posar
ao lado de alguns trabalhos musivos que começavam a sair de meu atelier. Acho que era 1995 ou 96. Eu ainda era jovem e não
sabia. Os cabelos, revejo agora no recorte da época, ainda nem começavam a embranquecer. Ganhei bem meia página em Caras,
ao lado de minha musa, ou melhor, da reprodução baseada na minha fonte inspiradora.
Usei-a durante muito tempo para ilustrar meus cartões de visita. Orgulhava-me da peça que produzi. Alguns anos depois,
ao receber um catálogo de peças do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque,
reparei, num canto de página, um anúncio vendendo livro, quase um compêndio, sobre arte judaica (Jewish
Art). E tornei a encontrá-la, desta vez a cores: era de novo ela, a minha musa, no original ! E estava agora na capa
de um livro! Novamente inspirado, passei à realização de outra peça, de livre imaginação, baseado em sua figura, desta
vez em tamanho mais reduzido (30cmx30), que ainda guardo em casa e que está sempre ao meu lado. O livro, fui encontrá-lo
no ano passado em uma livraria de S. Paulo, mas não tive bala na agulha para adquirí-lo. O preço era salgado. Mas tenho
certeza que ainda nos encontraremos ao longo de nossos caminhos. Musa vem do latim, que também nos proporcionou
museu, música e mosaico. É a história do meu encontro musivo. Shalom.
fragmento do catálogo do Metropolitan (NY,1996) |
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Minha musa, a cores em capa de livro! |
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