Terça-feira, 19 setembro de 2006
CADERNO 2
Polêmica dificulta execução de outra maquete
Pintor teria criado desenho para capela do Palácio do Alvorada, mas Niemeyer alega desconhecimento
'Aí vai a minha opinião.
É estranho que depois de quase 50 anos
apareça um desenho de Portinari para a capela do Alvorada. Nunca tinha visto esse desenho, e é sem ele que a capela foi tombada.
E o pior é que não vejo nenhuma relação das duas versões da foto com a capela.
Cordialmente,
Oscar Niemeyer'
Os desenhos a que Niemeyer se refere são
as outras maquetes para mosaico encontradas por João Cândido Portinari, que teriam sido criadas para o altar da capela do
Palácio do Alvorada. 'Esta obra , Jesus e os Apóstolos, foi encomendada a Portinari em 1957 pelo grupo que construiu Brasília',
diz João, que desde 2004 tenta executá-las. 'Tivemos uma chance na restauração do Palácio (entregue em abril). Todas as instâncias
aprovaram, mas nada aconteceu', diz.
'Iria corrigir a inexplicável ausência
de Portinari em Brasília. Afinal ele viveu a aventura modernista ao lado de Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer, Bruno Giorgi e Burle Marx', argumenta o mosaicista Henrique Gougon, companheiro de João na luta pela execução das
maquetes. João já cogitava que o veto poderia ter sido de Niemeyer. 'Levei a ele a documentação, incluindo cartas e o desenho
que meu pai fez, à mão, do altar. Não me respondeu até hoje e acredito que essa tenha sido uma forma educada de recusar',
diz. E como o arquiteto é o 'pai da criança', João se calou.
Mas a reportagem procurou por Niemeyer:
'Nunca vi esses desenhos. Não vou mexer. As pessoas gostam assim', foi a primeira resposta. Em seguida, Niemeyer aceitou ver
as cópias que estavam em poder do Estado, que foram enviadas por e-mail junto com uma cópia da carta escrita por ele a Israel
Pinheiro, que chefiava a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), em fevereiro de 1958, em que dá sua opinião
e trata de detalhes da proposta. O trabalho seria pago em três vezes, em parcelas de Cr$ 500 mil, Cr$ 200 mil e Cr$ 800 mil.
A resposta veio dois dias depois (a que está em destaque no início deste texto).
A reportagem ligou ainda uma vez e perguntou:
a relação que o senhor diz não existir é conceitual ou física? Explica-se: Niemeyer deu uma entrevista em 1957 ao crítico
Jayme Maurício, dizendo que Portinari faria 'a decoração da capela de Brasília, com murais em preto-e-branco, lineares apenas,
pelas paredes, um grande vitral no teto, além de azulejos dourados que fará vir da Itália'. E o desenho apresentado agora
a Niemeyer, de fato, não se parece em nada com essa descrição. Niemeyer respondeu ao Estado que 'Portinari foi meu amigo,
trabalhamos juntos, mas esses desenhos eu nunca vi.'
Diante da insistência da repórter - 'Mas
o João Cândido disse que entregou toda a documentação ao senhor...' -, ele se esquiva: 'Não conheço esses desenhos', repete,
ignorando a pergunta. Um direito que lhe reserva a idade avançada, já perto dos 100 anos, a completar no ano que vem. A ligação
foi encerrada sem que os motivos que levam o arquiteto a impedir a realização de obra inédita do companheiro e amigo ficassem
claras.
José do Nascimento Júnior , diretor do
departamento de Museus e Centros Culturais do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), diz que estuda uma forma de viabilizar
a execução dessas maquetes. 'Podemos encontrar outro lugar, no Palácio mesmo. O importante é dar uma solução que agrade a
todos', diz.